domingo, 9 de junho de 2013

A flor

O que foi, flor?
Se deixou anoitecer por baixo desse manto negro?
Engoliu a poeira do tempo?
Ficou no ostracismo e agora quer falar de morte?
O que houve, flor?
Sentiu na ponta dos dedos os calos afetarem seu tato?
Vagou no frio do inverno da solidão?
Esperou nas horas um intervalo que lhe preenchesse os minutos?
Virou pétala sobre pétala
Quis murchar ao meio-dia, desceu sobre os braços de seus talos
Caiu em desgosto
Lançou ao mundo uma novidade. Gritou e reuniu a todos: chamou seu deus mor.
Pulsante gineceu que deu a vida outras cinquenta flores
Hoje está no extremo do abandono.
Livre sobre o pomar e sob o céu que joga as suas gotas de compaixão
Amou a derradeira, amou a inesquecível, amou a mim.
Transferida da dimensão dos loucos
Veio me encontrar e pedir abrigo.
Lhe evitei, fugi de seus olhos, mãos, garras e línguas.
Fui seduzida pelo canto, pela voz e pelo cheiro.
Ah, flor, por que veio parar aqui?
Como me encontrou?
Houve peregrinação da parte de suas raízes?
Onde ficou instalada em você a moral que lhe fez planta?
Vivia entre os caminhos agonizantes, em belos jardins artificiais.
Uma lágrima em forma de orvalho lhe escorreu ramo a baixo
Mudou seu entardecer e camuflou velhas feridas.
Espinhos que mal podados destruíram seu coração frouxo e desusado
Maquiada durante várias e intermináveis primaveras
Quis por fim ser bem-me-quer e mal-me-quer nas mãos de jovens românticos frustrados
Ousou cobiçar o suicídio e durante as ventanias espatifava suas doces pétalas no chão.
Foi ficando feia, foi envelhecendo e conhecendo a dor da falta de saúde.

E então não restou mais nada, mingou, dobrou-se e ressecada jurou ter conhecido o amor, Mas não soube responder quando o beija-flor veio lhe perguntar por que ela então havia morrido sozinha. Ela, flor calou-se para sempre e eu também. 

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