O que eu via em você, era um fogo, uma chama, um maçarico. Eu não via festa, fogos de artifícios, purpurinas, nem nuances de cores mágicas, eu apenas via seu rosto, via o reflexo que ele esboçava quando encontrava o meu rosto. Disso eu lembro com perfeição, como se fosse exatamente agora...
Eu juro que não imaginava nada, ainda que já estivesse tudo explicitamente anunciado diante dos olhos do mundo e talvez até dos meus. Eu nem sequer quis reverter nada, nunca quis que as coisas deixassem de ser como de fato eram, pois poderia alterar o nosso paladar e isso não seria poético. Será que você me entende?
Talvez, é bem provável mesmo que nunca lhe possa dizer tais palavras que estão costuradas há meses em minha garganta, mais que isso, estão tatuadas no meu coração, em cárcere na minha memória. Há algumas semanas andei vomitando meu orgulho e vivi a amnésia no meu ego para que tudo pudesse enfim se esclarecer dentro de mim, para que assim eu jogasse toda essa verdade para você.
Você não vai saber hoje, nem agora, mas quem sabe tudo mude... Eu antes não sabia, ou não queria saber, era muito cedo, era muito tarde. Meus ossos doíam, minha carne sangrava, e eu escorria, eu ardia, era tudo febril demais, intenso demais e não cabiam tantas efervescências na palma de sua mão, assim, de uma vez só.
Não sei bem ao certo se nas vezes em que deitávamos lado a lado na cama, em que nossos corpos se tomavam por uma quentura inflamável, que nos causava aquela combustão instantânea que quase carbonizava nosso juízo, se você conseguia absorver a verdadeira temperatura de tudo aquilo que estava entregando a você. Havia muita magia, muita intenção, muita vida, muito de mim. Eu fui me entregando a você aos poucos e fiquei tão pequenina em mim, que quando nos apartamos, eu quase não existia mais, estava tudo aí, com você.
Eu fui a vítima mor do meu orgulho, da minha podre vaidade e quis mostrar a você toda a carniça da minha alma, fui ao meu ínfimo, quis lhe causar as mesmas sensações que eu propriamente já estava sentindo e foi tudo inútil. Nem sequer lhe arranhei a pele, que dirá o coração. Era inoxidável, ou pelo menos a sua blindagem era melhor que a minha. Eu fiquei pelo caminho e você seguiu o seu, do seu jeito, na sua ideia fixa e eu repudiei seus passos com cada centímetro do meu ser amargurado.
Será que você viu? Será que alguém viu? Eu quis esconder, não sentir, não mostrar, sequer pensar. Não queria que fosse e me convenci por um bom tempo que não era e talvez não tenha sido, não sei bem, eu não sei! Ahhhh! Tá vendo? Você me confunde até hoje, sua sádica maldita, esquisita, louca e que sabe-se lá por que é a mulher que eu amo e que de tão excêntrica, absolutamente atípica, é linda demais!
A gente descobre o que é amor, quando passa a amar alguém pelos seus piores defeitos. E eu vi a carniça da sua alma também e quase fui jantá-la. Mas eu fiz tudo errado, gata, eu me perdi, me transtornei. Não conseguia conceber a ideia não lhe ter mais, pois eu sabia de alguma forma bem distorcida e obscura que eu seria sempre sua, e provavelmente esse sempre seria muito longo, tão longo que nove meses depois nasceu, hoje está em meu braços e tem seu nome...
Posso falar agora? Já está na hora? Então lá vai... Eu te amo, porra!
E você nem vai saber isso, talvez porque não mereça, talvez porque algo cale minhas palavras antes que lhe encontre, ou porque alguém me distraia, me impeça de lhe jogar mais uma vez essa verdade inacreditável.
Não sei, não vou lutar por você e nem por esse insistente amor, mas também não impedirei-o de existir dentro de mim, pois reprimir um sentimento tão torrencial poderia causar o esmagamento de minha razão.
Eu sei lá, mas quero que você seja feliz, assim como eu também desejo ser feliz. Eu morro de medo de você e do que você me fez sentir desde o começo. Não é estranho? Não é gozado? Logo eu, a destemida Michelle Valle, que já viu o inferno várias e várias vezes, que luta contra seus demônios, ter medo logo de uma garota como você que aparentemente não oferece perigo algum a este plano astral? Você me mata de medo, me arrepia, invade meus sonhos, como um bicho-papão. Os medos que adquiri na infância, na minha fase adulta, foram inteiramente transferidos para você. Seu nome é o som que me assombra até hoje. É como se antes de chamar qualquer pessoa, o seu nome chegasse na frente. Você está vendo? É surreal.
Poderia parecer uma obsessão, um transtorno, uma psicose, mas não é, pois estou aqui pensando, me distraindo, me cuidando, me elevando. Sinto o que tenho que sentir, por quem tenho que sentir, na hora certa e pronto!
Linda, preciso ir, preciso terminar esses dizeres que parecem ser na maioria das vezes infinitos. Se algum dia, qualquer coisa não der mais certo na sua vida, como um sol que venha nascer mais escuro, uma noite que tenha menos estrelas, um mar que não se renove, uma lua que não brilhe, lembre-se que no mundo ainda há alguém que pode reverter cada uma destas situações e ainda pode te levar para a via-láctea, assim, num piscar de olhos. Apenas usarei o poder do que sinto se você aprender a sossegar, você irá ver e sentir cada dessas palavras. Eu ainda tenho esperança em você.
Sei que o tempo que nos foi proporcionado foi absolutamente curto
para qualquer coisa aparentemente, mas ele foi o suficiente para que eu visse
algo em você e sentisse exatamente essas coisas que hoje narro.
Apenas isso...
"Eu gosto das pessoas
pelo prazer de gostar e não porque deu tempo de gostar delas."
"Se ela te fala assim, com tantos rodeios
É pra te seduzir e te ver buscando o sentido
Daquilo que você ouviria displicentemente
Se ela te fosse direta, você a rejeitaria."