Minha língua às vezes tem sabor de terra, minha vida é aliada e inimiga, ela vive em guerra, e as trincheiras são os meus sonhos. Meus olhos cansados são velhos conhecidos, são companheiros distantes, são estradas cor de laranja. Os passos que dou às vezes me levam um pouco para trás, mas ainda assim estou sempre adiante, estou sempre lá na frente e quase nunca encontro alguém. Essa minha solidão é passageira, é tão efêmera quanto um bocejo, é coisa de segundos e ainda assim, fica eternizada na natureza. Eu sou da natureza. Eu me misturo com os grilos e com as vespas e não me perco ao me desencontrar, apenas desapareço e logo apareço lá. Sou cascavel, sou rã, sou tijolo, sou construção. Sou ave, sou coração e não consigo abrir meu armário. Tenho amigos invisíveis, tenho papéis de parede de cores indefinidas. Abro os meus braços e dentro deles muitas vezes só passa o ar. Onde foram todos? Onde é o último andar? Quem vai me buscar? Quem vai me abraçar?
Eu tenho o meu sossego, eu tenho o meu abismo. Minhas fobias são alinhadas e tem cheiro de eucalipto. Meus pés tremem sobre superfícies turvas e se despedem do solo com passos ritmados. Eu não sabia de nada, mas ardia por ignorância. Meu conhecimento era saber fingir que eu sabia alguma coisa. E pensar que eu tinha medo de escuro, de altura e de pessoas indispensáveis. Hoje eu simplesmente me despeço de tudo aquilo que me faz bem, pois não sei ao certo quando não mais os terei. Tudo que é bom acaba como um clarão de um relâmpago.
Tristes são os dias que se mostram sem fim, arrepiam o corpo na altura na espinha e nada transformam nossas vidas. Vivemos a vida a base hipóteses e conjecturas muitas vezes falhas, incabíveis e que nos dispersam dos nossos objetivos principais, que são simples assim, como a felicidade. Atingir a felicidade é quase como cortar o próprio corpo, é como tentar ferir a si mesmo para encontrar algo que anule o que não lhe faz feliz. Autoflagelo nunca foi e nem nunca será solução, mas quem está interessado em soluções à uma hora dessas? A verdade é que no fundo ninguém se importa e isso dói. Isso fecha todas as portas.
As linhas horizontais não mais tem o mesmo formato, o eixo de rotação da Terra não mais se mostra igual. Tudo foi alterado, o sol arde mais que antes e ninguém mais dá bom dia. Corro o risco de não lembrar mais quem eu sou em um desses dias de fúria. Crime e castigo: quem vai se responsabilizar? Quem vai se sujar?
Da altura do céu, só vejo espelhos e pessoas chorando por razões sem sentido. Eu não as alcanço e não me permito viver assim. Eu criminalizo tudo aquilo é deletério, tudo aquilo que não produz algum benefício. Estou apenas querendo rasgar a minha camisa e encontrar a minha querida.
Três dias e não peço mais nada, apenas uma agulha e um lençol. Não me peça pra ter nexo, não sou coerente na maioria dos casos. Eu sou algoz, sou serpente, meu lado angelical se perdeu quando eu vim para esse mundo viver e arder com os demais humanos. Eu perdi o meu direito de voar, continuo me jogando nos braços do vento, me vendo como pássaro e não alçando voo. Continuo presa em minhas pernas. Meus dedos fazem curva o tempo todo em torno do cabelo dela. Chamaria até isso de carinho, mas não é. É apenas uma dança, a dança dos dedos.
Cansativos são dias em que nada me faz abrir portas e continuo presa e solta. Temo o fogão de lenha da vida que insiste em me assar. Estou além de qualquer beco, de qualquer edifício, de qualquer promessa, de qualquer vício. Estou na margem de um rio que ferve e de lá não sai nada. As lavas do vulcão dos olhos de magma me queimaram, mas algo em mim se transformou em rocha! Estou dura, rígida. Pobre de mim...
Estou casada com o incógnito, com o inóspito, com o non grato. O aluguel que pago para viver nesse mundo, não me dá o direito de sorrir sempre e eu tenho os meus direitos. Não tenho voz para reclamar.
Eu fui, mas algo em mim ficou.
Corra, meu amor, corra!




