Sobre o que ninguém quer falar...
Seguimentos estranhos, falhas, remendas e varizes na alma. Calma, estamos quase lá! Eis que de repente... Eu entendi tudo. Mas continuava sem saber muito bem qual era o meu papel, o nosso papel naquela história.
Olha, não vou ficar aqui tentando quebrar minha cabeça, tentando montar peças de um quebra-cabeças que está longe de estar completo. Algo entre nós está faltando, está desaparecido, está perdido em algum lugar. Quem irá atrás dessas "peças"? Temos preguiça, lembra? Nosso fôlego é armazenado para outros tipos de atividades, você bem deve se lembrar... Como eu esqueceria, né?
Certos contatos na minha opinião, nem sempre eram relevantes, entretanto, o grau de intensidade deles descreviam toda a situação de uma cena.: havia sangue, havia vítima, havia crime e havíamos nós, nuas, desfalecidas, empoeiradas, sujas, cansadas, unidas por um sentimento confuso, escuro, selvagem e maravilhoso.
Me diz quando foi que nos conhecemos, eu gostaria de lembrar. Na verdade eu nunca me esqueci, mas gostaria de ouvir do seu ponto de vista.
Bom, você vai dizer que foi casual, comum, banal até, mas sabemos que não foi, né? Qualquer coisa, menos banal.
Fugimos uma da outra, mas nos buscamos nos detalhes e juramos para nós mesmas que não. E por que será? O que há de errado em seguir certas idéias? Sim, idéias, somos idéias, imaginação, devaneios, um sonho, pesadelo... Eu já não sei mais.
Vamos falar de incoerência? Pois bem, não fazemos muito sentido e nos esfregamos nessa levada, seguimos o ritmo e nos alinhamos em volta de nossas cabeças, nossos punhos, nossas dimensões.
Temos a culpa como a cabeça decapitada de alguém, que nos é entregue em uma bandeja de prata. Eu sinto, você sente, pegamos carona com o descompromisso, a falta de vontade, mas uma hora padecemos, nos entregamos, não resistimos mais.
Havia algo guardado para nós, eu sei... Quando larguei a tua mão pela primeira vez, me vi rendida sem perceber, indo ao seu encontro, você estava me puxando com a boca e voltei a perdição da sua estrada. Na segunda vez em que larguei a sua mão, eu já estava aos seus pés, pois nem de pé eu conseguia ficar aquele momento, você sabe... Eu andava enfraquecida, doente, pueril e com traços de insanidade em meus olhos.
Soltei as suas mãos várias vezes, mas continuei visivelmente atrelada às suas pernas, sim belas pernas! Só que depois de um tempo, o vício me cansou, a secura do deserto me entorpeceu, enfim segui meu rumo e virei dona de mim. Parecia um sonho, uma alegria fantasiosa, mas completa. Eu estava livre, livre, livre... Livre de você e de outras sanguessugas... Mas que destino cruel e implacável! Ele nos jogou na mesma cova, além de termos de enfrentar os mais de dez leões famintos que nos devorariam em segundos, tínhamos que lidar com a nossa própria fome uma da outra, com o desejo, a ânsia, o impulso. E quem se seguraria por mais tempo?
Não sei em que momento começamos a ceder à tentação da nossa libido, mas dessa vez alguma coisa ficou registrada, sabe? Alguma coisa se revelou, se abriu, se mostrou. Eu ainda era racional, ainda conseguia pensar antes de agir, mas com você de presente, eu realmente não sentia necessidade de pensar em mais nada.
Eu tive você assim, entregue, plena, sem censura, sem empecilhos, sem hesitar, sem se segurar. Você estava linda, solta, juvenil, parecia ter sido feita para caber em mim. Nos encaixamos profundamente e o fogo, a luz, o calor nos jogou para o vento...
Caímos da nuvem mais alta, da torre do prazer... Éramos o princípio da malícia, o desperdício do bom senso.
Nos usamos tanto que quase nos desfizemos tamanha era a intensidade do nosso atrito.
Colidimos nossas vontades, nos jogamos uma na outra sem misericórdia, sem piedade, apenas no ato, de quatro, por cima, por baixo, como deveria ser.
Éramos fortes, potentes, enérgicas, eufóricas, nós nos espremíamos nos menores lugares e depois escorregávamos como se estivéssemos em um tobogã...
Caímos sobre a sua cama, sobre o seu sonho, o meu sonho, sobre tudo o que sabíamos de nós mesmas e nunca quisemos falar a respeito, pois éramos confidentes, tínhamos um pacto, tínhamos o que quiséssemos uma da outra, né?
Foi tão bonito, tão profundo, sem nexo, poético, visceral, qualquer coisa assim... E me deixei levar mais uma vez. Abri minha guarda, esqueci de me defender de você e fui nocauteada. Caí.
A minha queda não foi fatal, sabe? Eu já tive quedas piores. Na verdade foi um desequilíbrio, se é que você me entende. A gente se sente muito poderoso, no controle de tudo e para de se defender, e então acabamos sendo atingidos, feridos e tal. Eu vou admitir, você me lesionou, mas assumo que permiti e nem sei por quê. O mais engraçado disso tudo é que não dói, apenas me mostra que temos tudo às nossas mãos e não seguramos, pois ainda não estamos preparados e temos medo.
Então vamos continuar fugindo uma da outra? Será essa a solução? Um dia você corre, outro dia eu corro e de repente, lá na frente, num desses encontros casuais, nos esbarremos, nos atraquemos e voltemos a sucumbir diante do nosso desejo mais uma vez. Eu acho mais gostoso assim. Mas pode ser que ele passe, que o tempo esfrie tudo e congele os nossos sentimentos, mas eu não tô nem aí.
O que torna as coisas especiais entre nós, é o fato de não nos programarmos para nada, ficamos a mercê do acaso, do destino e assim somos domadas.
Você às vezes me dói como um espinho venenoso, me adoece, mas meu organismo já aprendeu a lidar com seu veneno. Minha cicatrização hoje é bem mais rápida...
E o que devemos fazer agora? Nada. Nada mesmo, pois os atos atropelam as histórias. Não estamos aqui para construirmos nada, apenas queremos aproveitar o que já temos... De alguma forma estranha, nos temos, mas não podemos e assim segue.
Sem melodramas, sem bla bla blas, sem mimimis, eu gosto das coisas assim... E vamos parar de aumentar os acontecimentos e super valorizar situações. Não somos mais crianças, ou pelo menos não deveríamos mais ser.
E o que eu sinto, não mudará, só vai mudar quando eu quiser...
Desta vez a culpa não foi sua, foi do castigo em que coloquei meus olhos, eu lhes castiguei olhando para você.
Até breve...
Mas cá entre nós, eu realmente gosto de ti... E lembre-se, somos as perfeitas vira-latas dessa cidade...
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